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Atualidade da Grécia Antiga
Estudo de textos de Aristóteles e Platão revela origens de conceitos científicos contemporâneos
MARIA GUIMARÃES | Edição 200 - Outubro de 2012
© BEL FALLEIROS
Quando confrontada a duas teorias – uma simples e outra complexa – para explicar um problema, a maior parte das pessoas não hesita em favorecer a primeira, também qualificada como elegante. "Em muitos casos, porém, a complexa pode ser mais interessante", lembra o filósofo Marco Zingano, da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, a escolha é de tal forma natural na cultura ocidental contemporânea porque o pensamento dessas civilizações foi moldado por Aristóteles e Platão, os filósofos de maior destaque na Grécia Antiga, para quem a metafísica da unidade tinha como paradigma a simplicidade. Entender até que ponto as ideias desenvolvidas há cerca de 2.400 anos ainda hoje balizam a forma de ver o mundo é o que mantém Zingano imerso em textos antigos. E está longe de fazer isso sozinho. Numa sucessão de projetos que já duram 10 anos, ele vem reunindo um grupo rico e diverso de pesquisadores de várias universidades brasileiras e estrangeiras em seminários para discussão de textos e ideias.
A linha mestra do grupo consiste em reconhecer a influência de Aristóteles e de Platão, seu professor por 20 anos, no pensamento contemporâneo. "Quando se estuda os gregos, encontram-se temas atuais", diz o filósofo da USP Luiz Henrique Lopes dos Santos, um dos pesquisadores associados ao projeto. "Fazer história da filosofia já é fazer filosofia", completa. "O tempo da ciência é cumulativo, o da filosofia é mítico, caracterizado pela retomada contínua, de diferentes perspectivas históricas, dos mesmos temas fundamentais." O enfoque do estudo diverge dos olhares mais comuns sobre os escritos da Grécia Antiga, que ora envolvem historiografia pura, ora consideram que Aristóteles continuaria hoje na fronteira do pensamento, caso fosse possível ressuscitá-lo. "Seria ingênuo tanto limitá-lo ao passado como trazê-lo para nos corrigir", afirma Zingano.
Levado ao pé da letra, o resgate puramente historiográfico das contribuições da Antiguidade pode parecer folclórico, até risível, diante do conhecimento atual. Exemplos interessantes estão na biologia, que representa um terço dos escritos de Aristóteles remanescentes hoje. Ele descreveu uma série de espécies, como peixes e corais, mas também ia além e buscava explicar padrões que via na natureza. Por que, por exemplo, certos animais têm casco fendido? A explicação do filósofo grego partia do princípio de que cada organismo tem uma determinada cota de matéria óssea a ser usada em sua construção. Por necessidade de se defender, veados, por exemplo, desviariam parte dessa matéria para os chifres e não teriam o suficiente para as patas, que ficariam incompletas. Uma explicação completamente desbancada pelo conhecimento atual, mas não necessariamente irrelevante de todo.
Pensando na permanência das ideias, Zingano cita a busca de Aristóteles por entender o que faz com que homens gerem homens e plantas, plantas – uma observação aparentemente óbvia, mas que em sua época guiava uma investigação que contrariava antecessores. Os organismos, o grego definia, são feitos de matéria e forma. O que confere estrutura a um ser vivo é a forma, transmitida de uma geração para outra e que governa a matéria. "A ideia de que a forma não provém da matéria, mas a governa, se tornou familiar a tal ponto que o conceito de DNA de certo modo ainda hoje a reflete", explica o filósofo da USP, numa analogia do conceito antigo com o que hoje se sabe controlar a hereditariedade.
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Aristóteles está portanto presente, mesmo que oculto, na forma como o pensamento governa os hábitos intelectuais da civilização atual. Se isso já é verdade para disciplinas mais específicas como biologia e física, é mais ainda para as bases mais amplas tanto da ciência como do pensamento em geral – a lógica, a ética e a metafísica.
Um dos problemas que ocuparam Platão e Aristóteles foi a acrasia, que leva uma pessoa a tomar uma atitude contrária à que sabe ser a correta. Se está claro, por exemplo, que uma moderada dose diária de exercício é suficiente para prevenir uma série de doenças graves e trazer benefícios sensíveis à saúde, por que alguém optaria por passar horas a fio deitado no sofá, se locomover apenas de carro e deixar a academia de lado? Para Sócrates, que foi professor de Platão, a resposta era simples: guiado pela razão, o ser humano só deixa de fazer o que é melhor se lhe faltar o conhecimento.
Platão discordava, e resolveu o dilema dividindo a alma em três partes, representadas por um par de cavalos alados conduzidos por um cocheiro que representa uma delas, a razão. Um dos cavalos, arredio, só pode ser controlado a chicotadas e representa a parte dos apetites. O outro, mais dócil, é a porção irascível da alma. É o impulso, em geral obediente à razão, mas que pode levar a decisões impetuosas em determinadas situações. "O que determina as ações seriam fontes distintas de motivação", observa Zingano. Platão pensou o conflito como interno à alma, dando lugar à acrasia. Já Aristóteles dedicou um livro de sua Ética ao fenômeno. O embate entre paixão e razão, tão familiar hoje, tem sua matriz nas reflexões dos dois gregos sobre as fontes de motivação para a ação.
Algumas das contribuições do pensamento antigo são essenciais ao desenvolvimento científico. "Aristóteles deixou um conjunto de textos sobre como argumentar, e como essas formas argumentativas podem ser usadas de maneira geral", conta Roberto Bolzani, também do Departamento de Filosofia da USP. O foco de seu estudo são os diálogos socráticos de Platão, sobretudo no que diz respeito a refutação e persuasão. No grupo de pesquisa, ele compara as ideias do mestre aos modos de argumentação descritos por Aristóteles em seus tópicos. Entre eles estão a indução e a dedução, que se tornaram elementos centrais do método científico aplicado até hoje. "Antes de Aristóteles e Platão não havia um sentido de conhecimento", explica, "que eles definiram como algo imutável, eternamente verdadeiro e que pode ser demonstrado". A definição serviu como base para a concepção moderna, que leva em conta o uso de experimentos para testar hipóteses.
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